ASBRAD

Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude

Garotas Contra o Tráfico de Pessoas

Projeto da Asbrad busca prevenir o Tráfico de Pessoas e a Violência Doméstica, a partir da desconstrução do mito do amor romântico, entre adolescentes de periferias

Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), publicadas no relatório “Mulheres no Mundo: tendências e estatísticas[1]”, indicam que um terço das mulheres, em todo o mundo, sofreram violência física e/ou sexual por um parceiro íntimo em 2020.

A pandemia agravou a violência contra mulheres e meninas que foram isoladas, em ambientes inseguros, em maior risco de sofrer agressões, de parceiros íntimos, submetidas à violência doméstica e ao tráfico de pessoas. Segundo a ONU, quase um terço das vítimas desse tipo de crime são crianças, e 71% das pessoas traficadas, em todo o mundo, são meninas e mulheres. Há uma tendência global de agravamento de aliciamento, nas redes sociais, e de exploração relacionadas ao trabalho doméstico e à exploração na indústria pornográfica, como o emprego da violência e coerção para produção de vídeos eróticos, para comercialização em plataformas digitais[2].

No Brasil, o Relatório Nacional de dados sobre Tráfico de Pessoas, demonstra que, nos últimos quatro anos, o país registrou, ao menos, 86 denúncias de tráfico de pessoas envolvendo meninas até 18 anos. Sendo que 72% das vítimas desse tipo de crime no país são negras. O dado chama atenção por ser acima da média global apresentada pela ONU. Enquanto a média nacional foi de 40%, os dados mundiais registram 34% de vítimas menores de 18 anos no mesmo período[3].

Para Dalila Figueiredo, presidente da Asbrad:

-“a crise economia e o desmantelamento de políticas públicas para a juventude, agravam o risco de aliciamento e exploração de meninas brasileiras.  O projeto “Garotas Contra o Tráfico de Pessoas” é uma resposta humana e possível considerando o contexto  socioeconômico e as novas realidades digitais. Acreditamos que informação é poder e que só o foco nas futuras gerações poderá romper com ciclos geracionais de naturalização da violência e da exploração”.

A experiência piloto, contou com o apoio da Latam, e foi implementada com adolescentes e jovens de São Luís, no Maranhão. Foram escolhidas jovens participantes do “Menina Cidadã”, um projeto realizado pela fundação Justiça e Paz se Abraçarão, com apoio do Unicef, alcançando 200 meninas adolescentes da região da Cidade Operária / Cidade Olímpica e adjacências, que visa alcançar uma maior integração entre os coletivos de adolescentes e jovens especialmente meninas, que resultou em um coletivo com lideranças articuladas, que desenvolvem habilidades para a vida e poder de incidência sobre as políticas públicas.

No formato de rodas de conversas buscou-se desconstruir crenças, socialmente enraizadas, de romantização das relações afetivas  e treinar a percepção, das meninas, para identificar  ciclos de violências psicológicas e promessas falaciosas nos relacionamentos amorosos.  Os diálogos  tiveram como base conceitos da filosofia e contaram com a exposição de casos reais de jovens, aliciadas nas redes sociais, que se apaixonaram pelos seus perpetradores e acabaram sujeitas à violência doméstica e ao tráfico de pessoas.

“-Acreditamos que, além das necessárias mudanças estruturais  uma importante chave para prevenir situações de violência está no trabalho de base para o empoderamento de meninas. Pensadoras contemporâneas como a estadunidense Bell Hooks e a nigeriana Chimamanda Adichie, estão revolucionando os debates sobre racismo, feminismos e percepções sobre o amor, como instrumento de dominação e ação política. Porém, essas problematizações ainda se concentram em espaços acadêmicos, elitizados e estão longe de jovens negras das periferias do Brasil. Em nossa abordagem buscamos estimular a percepção sobre diversas faces do amor, criando espaços para reflexões sobre questões urgentes como: amor-próprio, pressão estética, sororidade, autonomia financeira e a busca por relacionamentos afetivos saudáveis, livres de dominação e toxidade”, esclareceu Graziella Rocha – Coordenadora de Projetos para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas  da Asbrad.

Para Bianka Melo, mobilizadora do projeto Menina Cidadã, o encontro com a Asbrad e a abordagem sobre o tema do tráfico de pessoas, a partir da ótica do amor romântico, foram muito significativas para as jovens e adolescentes.


“-Essa é uma fase da vida que, de fato, há expectativa sobre o encontro da chamada “alma gêmea” e, nesse anseio, ocorre muita permissividade nos relacionamentos. Além disso, muitas meninas são pressionadas, pela própria família, a encontrar um casamento que promova segurança e ascensão social. Todo o trabalho do nosso coletivo está em promover o empoderamento dessas meninas, mas esbarramos em questões familiares e religiosas que reforçam a mensagem de que a mulher deve buscar um provedor e aguentar a violência para se manter, a todo custo, num relacionamento. Essa abordagem, considerando os riscos ao tráfico humano, complementou a nossa luta pela construção de ferramentas para resiliência e autonomia entre as meninas de nosso coletivo”.

“Eu amei a experiência de debater as ciladas do amor romântico porque sabemos que nós, jovens, se não passamos, ainda vamos passar por isso, e é ótimo saber como se proteger, ter um espaço para compartilhar as experiências e depois levar esses alertas para outras meninas que não tem acesso à essas informações. Saio daqui com o sentimento de gratidão porque entrei uma pessoa e sai outra, pensando sobre questões que nunca tinha parado para pensar. A partir de hoje, vou estar mais alerta sobre os sinais de violência e de “arapucas”, principalmente nas redes sociais”  complementou Maria Gabryelly Dias- 16 anos – membro do Projeto Menina Cidadã.

O próximo passo do Projeto Garotas contra o Tráfico de Pessoas será a busca por parcerias que possibilitem a construção de uma metodologia de orientação, vídeos informativos e a realização de formações presenciais para lideranças jovens, especialmente meninas negras, moradoras de periferias, em todo o Brasil


Projeto Menina Cidadã: fundacao.jpa@gmail.com

Quer apoiar o Projeto Garotas Contra o Tráfico de Pessoas?

Escreva para: projetos@asbrad.org.br


[1]  United Nations. Department of Economic and Social Affairs. The World ‘s Women 2020: Trends and Statistics. [online]. Disponível em: bit.ly/worldswomen2020

[2] UNODC. Global Report on Trafficking in Persons, 2020. [online]. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/tip/2021/GLOTiP_2020_Chapter3.pdf,

[3] Fonte: Universa UOL- Vidas Negras. [online]. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/agencia-brasil/2021/07/29/maioria-das-vitimas-de-trafico-de-pessoas-e-negra-mostra-relatorio.htm